Terraforming Mars é um jogo de entrada
VOCÊ NÃO LEU ERRADO: PARA O AUTOR DESSE TEXTO, TERRAFORMING MARS É UM JOGO DE ENTRADA
Em live transmitida no Canal The Gamefather no começo de fevereiro, eu estava batendo um papo sobre o mercado de jogos de tabuleiro no Brasil com o anfitrião Émerson e os queridos Bags e Fernando do BGSP.
A certa altura da conversa, acabei soltando a polêmica frase que serve como título para essa postagem: Terraforming Mars é um jogo de entrada.
Depois dessa declaração o chat começou a pegar fogo.
Falaram que eu estava louco (ou bêbado), que existem jogos bem melhores para apresentar o hobby e mais um monte de argumentos.
De fato, Terraforming Mars é conhecido como um jogo complexo, cheio de minucias e que exige grande atenção dos participantes, pois eles devem gerenciar diversos recursos ao mesmo tempo, planejar ações de longo prazo e prestar atenção as ações dos adversários.
Sendo assim, muita gente achou que meu apontamento sobre o jogo era incorreto, pois afinal de contas, esse não seria um bom jogo de entrada para quem está começando no mundo dos board games.
O que é um jogo de entrada?
Jogo de entrada é um termo utilizado para designar títulos que seriam mais “amigáveis” para quem nunca teve uma experiência com os jogos de tabuleiro modernos. Por mais “amigável” entenda-se: regras simples, poucas exceções, facilidade em aprender as regras e um tempo de gameplay mais curto.
Muitas vezes, jogos de entrada se confundem com os jogos familiares, algo que faz todo o sentido. Quando pensamos em títulos para toda a família, é comum ver nomes que possuem um grau de complexidade baixo, permitindo que adultos e crianças possam se divertir sem que os mais jovens tenham muitas dificuldades em acompanhar a partida.
Alguns jogos que são categorizados como de entrada incluem clássicos como Carcassonne, Catan e Dixit, bem como títulos recentes como Azul, Draftosaurus e Village Green.
Eu gosto dessa definição, pois ela se foca nas mecânicas e cria um parâmetro claro do que é um jogo de entrada. Entretanto, ela ignora completamente a questão do tema.
Tema importa
É muito comum encontrar jogadores e jogadoras que não se importam muito com o tema de um board game. Essa postura está ligada a uma percepção, bastante acertada, de que as mecânicas de um jogo são seu “coração”, fazendo com que ele funcione e exista (para mais detalhes sobre a relação entre mecânicas e temas, recomendo dar uma olhada nesse post).
Por um minuto eu quero que você tente fazer o seguinte exercício de imaginação: se coloque no lugar de alguém que NUNCA jogou um jogo de tabuleiro moderno. Alguém que não faz ideia do significado de termos como drafting, alocação de trabalhadores ou poliminó. Alguém que conhece apenas produtos clássicos como WAR, Banco Imobiliário ou Detetive, dificilmente descreverá esses jogos através de suas regras. WAR poderá ser descrito como “um jogo de guerra em que ganha quem cumprir o objetivo primeiro”, em Banco Imobiliário “você precisa comprar imóveis e acumular dinheiro” e Detetive é sobre “descobrir quem é o assassino”.
Para uma pessoa nessa posição, não existem mecânicas de jogo. Os jogos tem regras e elas existem para que o jogo funcione e que a partida seja justa. O que chama a atenção desse jogador iniciante é o tema, aquilo que o jogo simula e que rege as ações fazemos durante a partida.
Atraindo a audiência
E agora eu chego ao cerne do meu argumento: um jogo de entrada precisa possuir um tema atraente.
Em outros termos, para que um jogo sirva como uma boa entrada para o universo lúdico, é necessário que quem jogue consiga estabelecer uma conexão com aquilo que está sendo apresentado a ela.
Alguém que está fissurado por séries de exploração espacial pode encarar toda a complexidade de Terraforming Mars, pois vai se divertir vendo as conexões entre o jogo e séries como Mars da NetGeo; se você curte bruxaria e esoterismo, Triora poderá te prender na mesa por horas; quem sabe a pessoa até se anime a encarar um London caso seja um apaixonado pela cultura britânica.
Não basta ser atraente
O tema é a porta de entrada de quem não joga para esse universo. Entretanto, apenas a temática não basta para tornar uma pessoa em gamer.
O jogo precisa ser bom, capaz de manter a atenção dos participantes, fazendo com que se divirtam com aquilo que é proposto.
Naturalmente existem outros fatores envolvidos nesse primeiro contato: a explicação do jogo, as demais pessoas envolvidas e até mesmo o humor do jogador ou jogadora no dia da partida podem influenciar nessa primeira impressão, mas eu acredito que levar em conta os interesses dos novos jogadores pode ser a chance de começar com o pé direito.
Minha dica?
Dá próxima vez que for apresentar board games para alguém, pergunte do que ela gosta em termos de filmes, quadrinhos, séries de TV e demais assuntos. Se possível, mostre alguns dos jogos da sua coleção e explique quais os temas deles. Talvez você perceba que aquele jogo mais “leve” não seja bem aquilo que estão esperando para o primeiro contato.