Um passeio por jogos clássicos
Em 1991 o escritor italiano Ítalo Calvino publicou um texto que até hoje é considerado referência para os estudos literários: Por que ler os clássicos?
Nessa obra não muito longa, menos de 300 páginas na tradução brasileira, Calvino apresenta argumentos que justificam a leitura dos clássicos da literatura. Acredito que muitos se lembrem das aulas de literatura do colégio, e de como a leitura de certos livros não parecia fazer muito sentido… atire a primeira pedra quem nunca se perguntou a razão para se ler Amor de Perdição ou O Primo Basílio.
Em cada um dos 14 capítulos do livro, Calvino desenvolve seu conceito de obra clássica, os motivos pelas quais é importante passar por esses clássicos, e um ponto fundamental, a noção de que cada leitor ou leitora vai desenvolver a sua própria lista de clássicos.
Mas onde entram os board games?
Sei que esse blog trata de board games, mas quando falamos de jogos também é possível identificar alguns clássicos, quer dizer, aqueles jogos que sobrevivem a passagem do tempo, continuam sendo reimpressos e atraindo a atenção de jogadores e jogadoras do mundo todo.
Mesmo os entusiastas mais atentos as novidades, aquele sujeito que acompanha as listas de discussão da BGG e da Ludopedia diariamente atrás dos lançamentos, possui um ou mais jogos da qual não abre mão. Aquele título que mesmo após anos ainda faz seus olhos brilharem, trazendo emoção e divertimento quando saí da caixa.
Vou tentar explorar essa questão dos jogos clássicos através de cinco proposições inspiradas por aquelas feitas por Ítalo Calvino.
Na sequência, utilizo um jogo que se encaixe nessa definição de clássico. Selecionei apenas jogos disponíveis no mercado brasileiro e que, em minha opinião, merecem ser conhecidos pelos amantes dos jogos de tabuleiro.
Os clássicos são aqueles jogos dos quais, em geral, se ouve dizer: “Estou jogando…” e nunca “Estou conhecendo…”
Exemplo: Catan – O jogo
O clássico criado por Klaus Teuber, e que recentemente completou 25 anos de seu lançamento, é aquele título que dá até uma certa vergonha de dizer que se está aprendendo a jogar. Algo natural se levarmos em conta o seu impacto cultural: inúmeras edições, expansões, versões digitais e referências na cultura pop fazem com que Catan seja conhecido por pessoas de dentro e de fora do hobby.
Por conta disso, muita gente se sente intimidada em admitir que não conhece ou que nunca jogou Catan. Esse efeito é comum aos jogos clássicos, mas eu diria a você que não existe nenhum demérito em aceitar esse desconhecimento. Inclusive, isso pode servir como um incentivo para explorá-los e deixar um pouco de lado os lançamentos mais recentes.
Clássicos são aqueles jogos que constituem uma riqueza para quem tenha jogado e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de jogá-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los
Exemplo: Carcassone
Esse título é fascinante para os jogadores de primeira viagem: as regras elegantes e simples, o equilíbrio perfeito entre sorte e planejamento e a excelente curva de aprendizagem fazem com que Carcassonne seja uma excelente porta de entrada para os jogos de tabuleiro modernos.
Mas se você for um jogador ou jogadora com certa experiência, jogar Carcassonne é ainda melhor! Você terá condições de apreciar o balanceamento matemático do jogo, a simplicidade das regras e a forma como o tema e as mecânicas se encaixam de maneira primorosa. Como todo clássico, Carcassonne será bom, independente do seu nível de conhecimento sobre jogos, mas trará um “algo a mais” caso você tenha vasta experiência.
Clássicos são jogos que exercem um influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual
Exemplo: Zombicide
O amerigame de maior sucesso do mercado brasileiro é um desses casos de clássico inesquecível! Um jogo tão bem sucedido, em sua versão básica e em suas diversas expansões e variações, que é quase impossível conhecer alguém no meio que nunca tenha ouvido falar desse título.
Isso fez com que Zombicide se torna-se uma parte do imaginário dos jogadores e jogadoras, se confundindo com outros jogos de temática zumbi, bem como com os demais amerigames disponíveis no mercado. Uma confusão aceitável e que só demonstra a importância desse clássico.
Toda partida de um clássico é uma descoberta como a primeira
Exemplo: Dixit
Jogos familiares/infantis também podem ser clássicos! E em Dixit vemos como o clássico é capaz de se renovar constantemente: é sempre possível se surpreender com a maneira como uma partida se diferencia da outra, até mesmo quando jogamos com o mesmo grupo.
As situações criadas pelo jogo, as interações e a criatividade dos participantes são estimuladas pelas imagens, criando algo único e nos permitindo descobrir algum aspecto novo e fascinante que por ventura tínhamos deixado para trás até então.
Toda primeira partida de um clássico é na realidade um retorno
Exemplo: Terraforming Mars
Existe uma grande chance de que você jogue Terraforming Mars pela primeira vez e sinta que já conhece o jogo muito bem. Isso se deve a uma série de fatores: a presença de mecânicas populares, o tema que faz parte do imaginário da ficção científica e a iconografia clara tornam tudo muito simples e emocionante.
Essa sensação só é possível quando estamos diante de um clássico. Esse tipo de jogo é tão poderoso que é capaz de ultrapassar a mesa, penetrando na nossa imaginação e moldando aquilo que pensamos a respeito de outros jogos.
Clássicos são o típico caso em que o nome precede o sujeito, quer dizer que, mesmo antes de jogar, você sente que ele faz parte de sua vida e se encaixa dentro de algumas expectativas, ao mesmo tempo em que tende a ultrapassá-las.
Jogos clássicos são incríveis e tenho certeza que cada pessoa tem a sua lista pessoal de clássicos.
Conta aí para a gente: quais são os seus clássicos?