Um pouco de memória
Eu nasci e cresci na região Metropolitana de São Paulo e a Mata Atlântica fez parte da minha vida de muitas formas: o manacá da serra me salvou dos dias quentes com sombra e beleza; as pitangueiras da calçada estavam lá para adoçar a vida sem nunca pedir nada em troca; o ipê-amarelo que de tão bonito sempre arranca um sorriso de quem passa e alegra o dia.
Mas a Mata Atlântica não são só árvores. Ela pulsa com um monte de animais que para mim servem como um lembrete do fato de que nossa espécie é apenas mais uma entre tantas: tatus, gambás e quatis que vivem escondidos, mas que vez ou outra dão o ar da graça mesmo nas cercanias das cidades; borboletas de todas as cores, abelhas nativas e outros pequenos insetos que seguem suas vidas sem dar muita bola pra gente; e é claro, a sinfonia de pássaros que serve como o melhor despertador que você poderá ouvir na sua vida.
Provavelmente essa conexão com a Mata Atlântica seja fruto de anos vivendo em uma casa com um quintal tão grande que permitiu à minha mãe plantar de tudo que ela queria entre as árvores. Sou filho de um casal de caipiras que veio para a cidade grande muito cedo, mas que nunca perdeu a conexão com a terra: colocar a semente no chão, observar seu crescimento e ser grato por aquilo que a natureza dá talvez seja a maior lição que minha mãe me ensinou.
De muitas formas eu sou apaixonado pela Mata Atlântica e sinto que não posso viver muito tempo longe dela.
Mata Atlântica: um bioma ameaçado
Infelizmente nem todo mundo se importa com a Mata Atlântica.
Desde o Período Colonial, esse foi o bioma brasileiro mais impactado pela presença humana e pelo desmatamento desenfreado. Dos 131 milhões de hectares originais restaram pouco mais de 20 milhões (uma diminuição de cerca de 80%). Essa destruição foi fruto de uma combinação perversa de agricultura monocultora, pecuária extensiva, extrativismo vegetal e especulação imobiliária.
Por muito tempo a natureza foi vista como uma barreira ao desenvolvimento. No melhor cenário, florestas eram consideradas fontes de riqueza que deveriam ser extraídas, processadas e vendidas pelo maior lucro possível. No pior caso, um pedaço de mata era só um empecilho ao progresso.
Mas que progresso é esse?
Uma utopia da vontade humana feita de concreto, aço e plástico. Um lugar onde animais e plantas só servem se tiverem algum valor comercial. Uma realidade em que o quintal da minha mãe é uma perda de tempo.
É hora de mudar
A cada dia que passa a preservação do meio ambiente tem se tornado um tema mais importante. A emergência climática, resultado das ações inconsequentes da humanidade, ameaça nossa própria existência e exige que façamos uma mudança urgente no nosso modo de vida.
Fontes de energia limpas, uso racional dos recursos e preservação da biodiversidade passaram a ser uma parte importante das políticas públicas de diversos governos do mundo, bem como de empresas que sabem que os negócios dependem de uma nova postura em relação ao meio ambiente.
Talvez o mais difícil nessa situação seja a mudança de mentalidade, pois nossa sociedade é baseada na busca pelo lucro a qualquer custo e em uma crença quase inconsciente da superioridade humana em relação a natureza. Duas ideias que nos trouxeram até uma ameaça global e que devem ser deixadas para trás.
Mas como mudar as ideias?
Mata Atlântica na mesa
Jogos são produtos culturais assim como livros, filmes e séries de TV. Eles expressam valores, ideias e opções estéticas, dialogando com a época em que foram produzidos e influenciando a vida de quem joga. Olhando por esse ponto de vista, um jogo nunca é só um jogo.
Um jogo pode apresentar novos universos para os jogadores, ensinar história, matemática, astronomia, lógica e despertar a curiosidade de quem está na mesa se divertindo.
E eu encontrei isso no jogo Agrofloresta.
No meu primeiro contato com Agrofloresta percebi que estava diante de algo diferente.
Um jogo de fazendinha não é nenhuma novidade, porém o que a Laila Terra estava propondo era distinto em dois aspectos: o que deve ser cultivado e como isso deve ser feito.
Agrofloresta me convidou a plantar milho, mandioca, maracujá, mamão e outras tantas espécies nativas da Mata Atlântica. Vi a colheita da infância ali na minha frente, e lembrei de como é bom poder se alimentar daquilo que você sabe de onde veio.
Mas não bastava encher os terrenos com as melhores plantas, pois eu também precisava de árvores como o Buriti e o Baru para gerar sombras, o que fez com que a minha fazenda buscasse uma integração entre espécies que é a base do sistema agroflorestal.
Nesse momento percebi que Agrofloresta não é mais um jogo de fazendinha.
Agrofloresta é um jogo de roça.
Daquela roça que os povos indígenas, quilombolas e caipiras usam para garantir seu sustento preservando a terra, pois sem a terra nós não somos nada.
Jogos são capazes de mudar o mundo? Diretamente não, mas ao lado de outros produtos culturais contribuem para uma mudança de mentalidade que pode gerar ações positivas para construir o mundo que queremos.