Uma época fascinante
Virtù é o próximo lançamento da MeepleBR e tem como pano de fundo a Península Itálica durante os séculos XIV – XVI, período que é conhecido popularmente como Renascimento Cultural.
O jogo desenvolvido pelo game designer francês Pascal Ribrault não é o único que utiliza como ambientação esse período histórico. Títulos de sucesso como Lorenzo il Magnifico, Fresco, Pax Renaissance e The Castles of Tuscany, se passam nessa era que se comunica profundamente com o imaginário da cultura pop no começo do século XXI: figuras como Leonardo Da Vinci, Michelangelo, Nicolau Maquiavel e Cesar Borgia são reconhecidas por seus feitos até os dias de hoje.
Mas qual a origem desse fascínio em relação ao período?
O nascimento da Modernidade
O Renascimento Cultural se insere em um quadro de transformações mais amplo e no qual os historiadores identificam a transição da Idade Média para a Época Moderna no Ocidente Europeu.
Com o fortalecimento das atividades comerciais e a expansão das cidades, fato que caracterizou o período conhecido como Baixa Idade Média, uma nova classe social, a Burguesia, passou a se destacar e obter cada vez mais influência.
Nesse contexto, as cidades da Península Itálica se fortaleceram como polos de comércio com o Oriente, ampliando sua importância em termos econômicos e políticos: Veneza, Florença, Gênova, Milão e outras cidades prosperavam com seus mercadores e disputavam as melhores rotas de comércio.
A ascensão da burguesia mercantil contribuiu para uma mudança profunda na mentalidade da época. O individualismo passou a ser visto como um valor positivo, assim como a busca por uma maior racionalização das atividades humanas em detrimento de uma percepção religiosa ligada ao imaginário medieval. Homens e mulheres passaram a buscar explicações racionais para os fenômenos naturais e as artes passaram a refletir uma visão de mundo mais naturalista e que tentava representar de maneira fidedigna o mundo.
O impacto da arte renascentista é tão forte no século XXI que ainda é possível identificar no senso comum a ideia de que uma boa obra de arte é aquela que “copia a realidade”, fazendo com que muita gente torça o nariz para artistas que optem por representações abstratas ou mais figurativas.
Curiosamente, Virtù não optou por uma arte hiper-realista em suas ilustrações. O trabalho da equipe de arte se baseou em retratos famosos do Renascimento Italiano, porém eles foram redesenhados a partir de uma estética cartunesca e que se foca mais nas expressões do que no realismo, o que produziu um resultado único e bastante inventivo a partir do material original.
Toda a produção artística do Renascimento só foi possível devido a grandes comerciantes, alguns nobres e até mesmo a Igreja Católica, que passaram a financiar os artistas e estudiosos, permitindo que muitas obras de destaque do período fossem produzidas como: O Nascimento da Vênus, A Escola de Atenas, A Criação de Adão, Davi e uma infinitude de retratos de mercadores, nobres e papas.
Durante uma partida de Virtù o jogador poderá patrocinar artistas, o que fará com que ele amplie seu número de pontos de vitória e adquira os favores de figuras célebres como Leonardo Da Vinci, Nicolau Copérnico e outros indivíduos de destaque do Renascimento.
Renascimento: uma era de disputas
A Itália como conhecemos não existia na época do Renascimento. Explicando de uma forma mais clara: não havia um estado nacional unificado e que comandasse politicamente toda a região. O que existiam eram pequenos reinos, repúblicas e os Estados Papais, cada qual disputando com seus vizinhos o controle da região. Essa fragmentação interna se somava aos interesses de reinos estrangeiros, como os das casas reais da França e da Espanha, o que gerava um cenário marcado por disputas políticas e guerras.
Os conflitos eram intensos, incentivando o desenvolvimento de uma série de inovações nas áreas de engenharia militar, diplomacia e política: Leonardo Da Vinci desenvolveu diversas máquinas de guerra para atender os interesses dos exércitos beligerantes; Baldassare Castiglione escreveu O Cortesão, um tratado sobre como os homens de fino trato deveriam se portar no complicado ambiente das cortes; em O Príncipe, Maquiavel estabeleceu as bases para a ciência política moderna, desvinculando o campo da política da moral.
Talvez o mais famoso pensador italiano do período seja Nicolau Maquiável (1469 – 1527). Maquiavel foi um homem letrado que se dedicou a estudar os princípios de governo, ganhando tamanha relevância que seu nome se tornou um adjetivo. Muitas vezes falamos que alguém teve uma atitude maquiavélica, o que normalmente é visto como algo negativo ou sem escrúpulos.
Maquiavel combinou o estudo da história da Antiguidade greco-romana, com a observação da política de seu tempo e criou uma série de hipóteses sobre como governar um estado. Para o autor florentino, o poder deveria ser preservado a todo custo.
Na lógica de Maquiavel a política é uma atividade essencialmente humana, o que implica em desvincular o ato de governar da religião e da moral cristã. A virtude de quem governa não está em seguir as escrituras, mas sim em ser capaz de permanecer no poder. Para Maquiavel, o bom governante seria aquele que tivesse a virtù, a capacidade de se adaptar as mudanças e de vencer as adversidades, se perpetuando no poder e garantindo a prosperidade de seus domínios.
Virtù, o jogo, tenta captar esse momento de disputas ao entregar para o jogador diversas maneiras de conseguir a supremacia. Investir em comércio para obter grandes montantes de ouro, declarar guerra aos seus inimigos e tomar suas cidades e plantar espiões nas cortes rivais para minar a força dos seus adversários são todas opções válidas para que você desempenhe a arte de governar de maneira adequada.
Para saber mais sobre o Renascimento
Caso você queira saber um pouco mais sobre a época do Renascimento, vão aí algumas dicas para começar a explorar esse assunto fascinante.
Livros
- A Cultura do Renascimento na Itália (1860), é um livro de ensaios de Jacob Burckhardt que entrega excelentes reflexões sobre o surgimento do individualismo moderno e sobre a arte renascentista.
- A Civilização do Renascimento (1967), texto já clássico do historiador de Jean Delumeau e que trabalha com a hipótese de que a Idade Média e o Renascimento não podem ser vistos como momentos opostos.
- Linhagens do Estado Absolutista (1974), obra um pouco datada de Perry Anderson, mas que trabalha de maneira bastante interessante os elementos políticos da modernidade.
Filmes, séries e documentários
- O Mercador de Veneza (2004) – boa parte do teatro shakespeariano tem como pano de fundo as cidades italianas. Em Mercador de Veneza temos um dos textos mais inspirados do Bardo, no qual vemos uma trama cheia de vingança e disputas de poder.
- The Borgias (2011) – série que conta com um elenco estelar e que acompanha os meandros políticos da família título em meio as disputas dos séculos XV e XVI. Uma boa série de época para quem gosta de intrigas palacianas, reviravoltas e traições.
- The Renaissance: The Age of Michelangelo and Leonardo Da Vinci (2019) – documentário em duas partes produzido pela TV pública alemã Deutsche Welle. Um material ricamente ilustrado, com depoimentos de historiadores e estudiosos do assunto.