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  • Por: Márcio Botelho
  • Publicado em: 8 de abril de 2020

Entrevista – Michael C. Alves


A indústria dos board games é composta por diversas pessoas sem as quais os jogos não existiriam: game designers, ilustradores, tradutores, editores, lojistas e uma série de outros profissionais importantes.

Nessa sessão nós daremos maior visibilidade a essas pessoas, dando espaço para que elas falem de seu trabalho, dos desafios que enfrentam e recebam o reconhecimento por seus esforços.

Na entrevista de hoje vamos falar com Michael C. Alves, game designer brasileiro criador do Triora, jogo que é um dos finalistas Prêmio Ludopedia 2019 na categoria de Designer Nacional.

Michael, você poderia se apresentar para quem ainda não te conhece?

Olá a todos!
Eu sou o Game Designer por trás dos jogos da Arcano Games, além de atuar como Game Developer e como escritor de artigos voltados à Game Design. Sou autor do blog
www.thegamersage.com, e também escrevo artigos com conteúdo de RPG em revista especializada.

Como se iniciou o seu contato com os jogos de tabuleiro modernos?

Durante minha vida toda fui um aficionado por jogos, tanto eletrônicos quanto analógicos. Lembro de jogar Xadrez com meu pai desde muito cedo, e de ter sido apresentado ao Magic: the Gathering – card game – por um primo ainda nas primeiras séries da escola. Sempre tive o sonho de dedicar minha vida à trabalhar com jogos e sempre fui muito interessado em entendê-los e criá-los.

Conheci os jogos de tabuleiro através de alguns amigos, começando com Arkhan Horror cuja temática foi um ponto de interesse. Porém tive sorte de ter conhecido algumas pessoas com acervos diversos de jogos, e uma em especial, o “Zang”, um amigo a quem devo bastante neste mundo dos jogos de tabuleiro, que continuamente adquiria diferentes jogos e que me levou a conhecer muitos estilos.

Qual estilo de jogo mais lhe atraí?

Como designer eu sou muito eclético, gosto de trabalhar com jogos de diversos tipos.

Como jogador eu sempre fui uma pessoa que gosta de jogos complexos, os quais possa jogar várias vezes e me aprofundar nas diferentes estratégias, e que, de forma geral, dependam pouco da sorte.

Por isso sou um jogador que gosta muito do estilo Euro. Meus jogos favoritos são Terra Mystica/Project Gaia, Roots, Agricola, Rising Sun e Three Kingdoms.

Nem todos os jogos que mais gosto são Euros, mas em geral são jogos com menos sorte e maior profundidade e complexidade.

Em que momento você passou a se interessar em criar os seus próprios jogos?

Desde criança eu tive interesse por criar jogos. De jogos de cartas à sistemas de RPG, passando pela criação de mapas de Starcraft e Warcraft III e do desenvolvimento de jogos por programas como RPG Maker.


Porém este campo ainda era muito pequeno no Brasil, e criar jogos eletrônicos requer um investimento e uma equipe maior para realizar um projeto a ponto de ele ser testável (mesmo no caso dos
indies), e nunca achei programar tão legal quanto pensar em mecânicas. Quando descobri os jogos de tabuleiro moderno vi uma oportunidade de criar jogos e testá-los, para que eu pudesse aprender e me desenvolver como game designer, sem que eu precisasse de uma equipe grande ou um investimento maior.

Pude me inspirar nos diversos designers brasileiros que desbravaram este campo antes de mim, e que provaram que era possível lançar algo nacional e de qualidade. Com isso tomei a coragem de me dedicar ao game design, o que levou a fundação da Arcano Games.

Vamos falar um pouco do Triora. Bruxaria é um tema que chama a atenção de muita gente, porém a cidade de Triora não é tão conhecida no Brasil. Como você descobriu este lugar e sua história?

Inicialmente o Triora tinha como nome de projeto “Ruína de Terra-Santa”, a temática de bruxas, da inquisição e de uma cidade já estavam presentes, porém se tratava de um local fictício.

Quando começamos a trabalhar no projeto junto à MeepleBR demos início a fase de desenvolvimento, buscando tornar o protótipo que tínhamos criado em um jogo finalizado. Durante este processo, que incluiu discussões sobre arte, iconografia, e detalhes da representação do tema, a MeepleBR apresentou o jogo a seus parceiros internacionais, e receberam a sugestão de adaptar o jogo a uma cidade real, Triora.

Quando recebi essa sugestão fui estudar a história da região com mais detalhes, e ficou claro para todos da equipe que Triora era um encaixe perfeito de tema. Fizemos algumas adaptações e tomamos certas liberdades artísticas, como a escolha das bruxas e do inquisidor, buscando uma adaptação mais simbólica, apelando mais para o aspecto fantástico, ligados aos festivais da cidade, do que de fato para os aspectos históricos.

Quanto tempo durou o desenvolvimento do projeto? Quais as maiores dificuldades durante ele?

O jogo, de sua concepção até sua finalização, levou cerca de dois anos e meio, porém estávamos trabalhando em diversos projetos paralelamente. Quando as mecânicas já estavam bem fechadas e estabelecemos a parceria com a Meeple BR para o lançamento, levou cerca de um ano para realizarmos os trabalhos da parte gráfica, desenvolver os componentes e chegar ao resultado final que encontramos hoje no jogo.

As maiores dificuldades foram fechar detalhes da parte gráfica e do projeto visual do jogo, assim como encontrar formas de viabilizar componentes mais bonitos, como as poções e ervas em madeira e o tabuleiro em dois níveis. Foram desafios de concepção e produção, e que só foram superados graças aos nossos apoiadores do financiamento coletivo. Fora isso houve o próprio financiamento coletivo, que sempre é uma grande batalha e requer muita dedicação.

Existe a possibilidade de vermos alguma expansão do Triora ou algum jogo no mesmo universo?

De fato eu tenho uma expansão pensada para o Triora, que adicionaria a possibilidade de um quinto jogador, e uma nova localização no tabuleiro, a “Luz da Lua Vermelha” ou “Luz da Lua de Sangue”, que seria uma localidade que muda de posição a cada rodada de jogo, e onde haveriam poderes místicos que seriam utilizados pelas bruxas.

Nesta expansão eu poderia adicionar algumas mecânicas que eu tive de deixar de fora no jogo base pois ele já continha muitas regras que precisavam ser aprendidas pelos jogadores, sendo já suficientemente complexo para se entender. Estas novas mecânicas adicionariam ainda mais profundidade e interação no jogo, e sendo destinada a jogadores que já conhecem as regras do jogo básico elas seriam uma boa adição. Porém a existência de uma expansão depende de um nível de vendas que as viabilize, e do interesse de editoras e parceiros no exterior.

Atualmente, quais seriam os principais desafios para um game designer brasileiro?

O principal desafio é que não existem cursos ou locais onde você pode claramente aprender sobre game design, a maioria de nós acaba aprendendo por conta no acerto e erro. Creio que é importante que o game designer iniciante se dedique a leitura dos livros da nossa área de atuação e que crie diversos jogos sem se prender a nenhum deles.

Digo isso por que é natural que cometamos diversos erros, e só podemos aprender caso analisemos nosso trabalho de forma séria e aceitemos recomeçar projetos do zero, descartar ideias que não funcionaram e entendamos que é preciso reconhecer e aprender com as falhas para continuar a evoluir como game designer.

Se você se dedicar e produzir bons jogos, hoje existem diversas editoras disponíveis para que você os apresente. Essa hoje não é mais a maior barreira, as editoras estão em todos os eventos aguardando serem apresentadas a bons projetos. Porém a quantidade e qualidade de game designers no Brasil vem subindo e com isso a concorrência pela atenção do público e das editoras é maior, e esse será o principal desafio agora.

Qual dica você daria para os game designers em início de carreira?

Jogue muito, e estude muita teoria. Aprenda a usar bem o Excel e leve a sério a importância da matemática para o game design. Mas acima de tudo crie jogos, erre, mude, tente outras ideias até que o jogo funcione.

Um erro comum que vejo é o designer tentar criar um jogo, e depois abandoná-lo ao ver que ele não ficou tão legal. Não faça isso, todo trabalho que você já colocou naquele projeto não foi inútil, você já está aprendendo o que funciona e o que não funciona naquela sua ideia. Recomece, mude, se precisar salve só a ideia central, ou uma mecânica que esteja funcionando, ou mesmo o tema, mas continue a trabalhar no projeto até que ele seja um bom jogo. Isso vai te ajudar a aprender quais caminhos levam a bons jogos e quais acabam em jogos que não funcionam, e você vai aprender mais rapidamente quais são seus erros, e por que alguns jogos seus funcionam melhor que outros, e como você deve corrigir seus projetos. Começar sempre do zero é um erro pois acaba muitas vezes fazendo com que você não perceba quais são seus erros, porque está errado e como concertá-los.

Você pode contar para a gente se está trabalhando em algum outro projeto no momento?

Neste momento estou atuando como Game Developer para o Brazil e para o Luna Maris, ambos da MeepleBR, estou escrevendo material de RPG para Pathfinder 2E para a revista NOW e estou trabalhando em três diferentes jogos de meu design, um card game feito com base em ilustrações de uma exposição de arte do Gustavo Matsunaga, e mais dois jogos, um euro, e um ameritrash, que ainda estão na fase de desenvolvimento inicial. Fora alguns outros projetos que estou ainda acertando detalhes para dar início.

Por enquanto é isso. =D

Márcio Botelho

Raça: Humano. Alinhamento: caótico e bom. Classes: Historiador 6, Crítico literário 4 e Nerd 10. Tentando descobrir como vencer os Marqueses no Root!

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