Entrevista – Lucas M. Rodrigues
O desenvolvimento de jogos é um processo longo e bastante trabalhoso. São meses, muitas vezes anos, de pesquisas, testes e avaliações. Se tudo der certo, ao final do
processo, teremos um jogo de qualidade e que pode divertir pessoas no mundo todo.
Lucas conhece bem as dificuldades desse processo. Fundador do Goori DesignStudio e criador de Eletrika, jogo que será lançado em 2021 pela MeepleBR, ele nos concedeu essa entrevista pouco após o anúncio do título pela editora.
Conversamos sobre o mercado de jogos nacional, as inspirações para o Eletrika e aquilo que o público pode esperar desse título eletrizante.
Muito obrigado por ter aceitado nosso convite, Lucas. Você poderia se apresentar para os nossos leitores?
Eu é que agradeço o convite, é uma honra e um prazer muito grande poder falar do Eletrika. Bom, eu sou designer por formação e gosto muito de criar. Não necessariamente jogos. Eu gosto da experiência que o processo criativo proporciona.
Os jogos de tabuleiro fazem parte da sua vida a muito tempo?
Os jogos de tabuleiro de modo geral sempre estiveram comigo. Mas os jogos de tabuleiro modernos surgiram para mim em 2014, e foi uma porta muito bacana que se abriu para mim. Me considero um iniciante no mundo dos jogos de tabuleiro e parece que não importa quanto tempo passe eu sempre vou me considerar um iniciante. Isso por que o game design proporciona encontros muito enriquecedores, você sempre encontra alguém que conhece mais do que você, que jogou mais do que você, que tem uma visão muito rica do hobby. Já encontrei crianças de 9, 10 anos que tinham experiências muito mais profundas com os jogos de tabuleiro do que eu. E isso é muito bacana, esse tipo de encontro enriquece você como pessoa e sinceramente espero que estas experiências continuem acontecendo. Quero dizer, espero sempre encontrar com pessoas que sejam maiores que eu nesse sentido. É uma coisa que os jogos de tabuleiro, principalmente o game design, proporcionam.
Antes de se dedicar ao game design, quais atividades você exerceu em sua carreira profissional? De alguma forma elas contribuem para a criação de jogos?
Como todo brasileiro já fiz de tudo um pouco! Já fui garçom, sushiman, estudei psicologia, já tive meus próprios empreendimentos, também sou programador e já trabalhei bastante com programação web. Já criei logos e projetos de identidade visual para empresas locais e outras coisas pequenas. Ainda enquanto terminava a faculdade de design comecei a trabalhar como desenhista industrial na empresa de energia elétrica do Paraná, onde fiquei por mais de 7 anos. Então já dá para imaginar de onde veio a inspiração para criar o jogo Eletrika. Nesse sentido acho que dá pra dizer que sim, minha atividade profissional influenciou bastante na criação do jogo.
Eletrika, jogo que está sendo desenvolvido em parceria com a MeepleBR, vem chamando atenção nas últimas semanas. Poderia apresentá-lo para nossos leitores?
Eletrika é um jogo leve para até quatro pessoas. Suas principais mecânicas são o tile placement e a construção de rotas. Cada jogador assume o papel de uma companhia de energia elétrica e tem como objetivo energizar as edificações disponíveis no jogo para conquistar pontos de megawatt.
Quais as inspirações que você identifica em seu jogo?
Qualquer um que olhar para o Eletrika sobre a mesa vai notar a grande influência do clássico Carcassone. Algumas mecânicas vieram de lá, embora as experiência de jogo sejam muito diferentes. Em menor tom as pessoas também vão perceber a influência de Tike to Ride – que teve mais impacto nas fases iniciais de desenvolvimento – e de jogos com tiles hexagonais. Isso sem contar as influências da minha atuação profissional na industria de energia elétrica: o projeto de grandes redes de transmissão e distribuição, análise de malhas hidrográficas, etc. É interessante perceber que no fim do jogo temos um tabuleiro muito semelhante ao que temos no mundo real: uma rede de energia totalmente interligada em um terreno repleto de rios e bosques, uma cidade alimentada por diversas usinas e uma usina alimentando diversas cidades.
O tema do jogo é bastante interessante. Como essa temática impactou na escolha de mecânicas e na organização do jogo?
Minha proposta inicial para este jogo era pegar elementos do mundo real, que poderiam parecer muito complexos para uma pessoa de fora desta área, e transpor eles de modo simples para a dinâmica do game design. Então a temática foi determinante para a escolha de algumas mecânicas, principalmente a ‘construção de rotas’.
Redes de energia elétrica são rotas interligadas em uma malha elétrica. Poucas pessoas sabem, mas todo o sistema elétrico do nosso pais é interligado, ou seja, uma usina no nordeste está de algum modo interligada a um poste de uma rua qualquer no sul do pais. Eu queria que isso estivesse presente no jogo e acho que fui feliz nesse sentido. Quando você olha a configuração final do jogo ela lembra muito a configuração da malha elétrica que temos na realidade.
Outra coisa é que a colocação de tiles permite montar um mapa randômico com bosques e rios que se cruzam de modo quase caótico. Isso também é algo que foi transportado da realidade para o jogo. Nossa malha hidrográfica é muito rica e isso acaba aparecendo também.
Fora isso, o fato de os jogadores representarem companhias de energia elétrica os coloca em uma posição muito parecida com a do mercado real. Uma empresa dificilmente constrói uma rede sozinha, ela sempre atende pequenas demandas colocadas pelo governo e recebe por isso. Outras empresas vão entrar na concorrência, ou simplesmente vão construir parte da rede na qual você vai se apoiar.
O processo de desenvolvimento de um jogo é bastante longo e árduo. Quais as principais mudanças pela qual o Eletrika passou?
Desde o primeiro protótipo até o que temos hoje o jogo mudou bastante, principalmente no sistema de pontuação e dinâmica entre os jogadores. Mas algumas coisas se mantiveram desde a concepção, tais como as mecânicas de construção de rota e tile placement.
É possível dizer que Eletrika é um jogo de entrada. Qual a importância desse tipo de produto para o mercado brasileiro?
Acho que este tipo de jogo vem para ampliar o mercado. Nosso mercado ainda é muito tímido, muitas pessoas ainda estão presas no WAR ou Jogo da Vida. Os jogos de entrada são fundamentais para criar público e fortalecer. E acho que isso tem muito a ver também com meu momento dentro do game design. É a minha entrada, então a complexidade do jogo é muito compatível com as minhas experiências, com as minhas habilidades como game designer.
Falando de mercado brasileiro, em sua opinião, quais os principais desafios para o crescimento do mercado de jogos de tabuleiro no Brasil?
Os jogos de entrada com maior chances de sair da prateleira e ir para a mesa de uma pessoa que está começando, são os card games, justamente por que são mais baratos. Então acredito que o desafio econômico seja um dos maiores. Os jogos com alguns componentes a mais já ficam muito caros para os iniciantes arriscarem o investimento. Isso por si só traz uma série de outros desafios, tais como a profissionalização da cadeia produtiva, a produção nacional dos componentes, a manutenção dos pontos de distribuição, só para citar alguns exemplos.
É claro que isso não é um obstáculo somente para a indústria de jogos de tabuleiro, parece ser um obstáculo para todo o tipo de indústria. Certamente num país mais igualitário isso não seria um desafio tão marcante.
Mudando um pouco de assunto, você pode nos contar em quais outros projetos está envolvido nesse momento?
Desde quando saí da companhia de energia elétrica para me dedicar aos meus projetos muita coisa já aconteceu: meu filho nasceu, eu troquei de carreira, me mudei duas vezes de cidade, veio a pandemia. Então no momento meu maior projeto é estabilizar esse turbilhão. Infelizmente não tive muito tempo para me dedicar ao desenvolvimento de outros jogos, mas certamente tenho muitos projetos de gaveta que gostaria de revisitar.
Muito obrigado pela entrevista, Lucas. Gostaria de deixar um recado para os game designers que estão começando a se aventurar na criação de jogos?
Como já disse antes, para mim a experiência de game design é uma experiência de encontros. Assim como o próprio ato de jogar um jogo de tabuleiro. Acho que é uma experiência muito particular e o que funciona para mim, pode não ser o que funciona para os outros. O que eu sempre tentei fazer foi participar dos encontros, procurar por pessoas que sabiam mais do que eu, que pudessem me fazer crescer. Isso não significa dizer que eu também não dava ouvidos à pessoas que eram de fora do meio ou que às vezes pareciam mais novas que eu ali. Tentei ouvir bastante e com certeza, tentei me divertir bastante com a experiência também.