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  • Por: Márcio Botelho
  • Publicado em: 10 de agosto de 2020

Sorte

Em O andar do bêbado – Como o acaso determina nossas vidas, o físico Leonard Mlodinow apresenta o poder da aleatoriedade no nosso dia a dia. Ele mostra vários estudos, que vão da psicologia, à matemática, passando pelos esportes e pela engenharia, para demonstrar como eventos aleatórios são mais comuns do que imaginamos… e como nosso cérebro é péssimo para lidar com o caos e a sorte.

Podemos resumir o argumento do texto da seguinte forma: milhões de anos de evolução levaram nossa espécie a entender que padrões são fundamentais para sobrevivência. A capacidade de estabelecer causas e efeitos – se eu como o cogumelo vermelho passo mal, logo vou evitar este alimento – foi fundamental no nosso desenvolvimento, sendo uma das bases de funcionamento de nosso intelecto. Por conta disso, quando nos deparamos com a aleatoriedade ficamos extremamente incomodados, tentando estabelecer padrões naquilo que não existe.

Segundo Mlodinow a aleatoriedade é uma parte fundamental do nosso cotidiano, porém temos dificuldade em aceitar o caos que existe no mundo e nossa mente tenta criar padrões falsos para nos confortar diante das arbitrariedades.

E o que isso tem haver com jogos de tabuleiro?

Sorte é aquilo que não se merece

A presença da aleatoriedade em board games, em especial naqueles que fazem parte dos jogos euro, muitas vezes faz com que os jogadores torçam o nariz. Para esses entusiastas de jogos como Clãs da Caledônia e Agrícola, o planejamento das ações e a gestão dos recursos é parte essencial da diversão. Sendo assim, elementos aleatórios são vistos como danosos a estratégia e prejudiciais ao divertimento dos participantes.

Segundo está visão, o prazer dos jogos de tabuleiro modernos está ligado a possibilidade de resolver um problema de forma racional e lógica. De certa forma, é um prazer que podemos encontrar quando resolvemos um quebra-cabeças ou então solucionamos uma equação matemática. É como se o jogo acionasse aquela parte do nosso cérebro que se desenvolveu para buscar padrões e repetições.

Esse posicionamento faz com que o uso de elementos que gerem padrões aleatórios como rolagens de dados, cartas de baralho e sorteios sejam vistos como negativos, perturbando a ordem que é instaurada durante a partida por suas regras e mecanismos perfeitos (o que nos remete de certa forma ao círculo mágico proposto por Johan Huizinga em Homo luddens).

Todo mundo tem a sorte que merece

Se um jogo tentar simular uma situação vivida em nosso mundo, como a gestão de um negócio, proposta em Orléans, ou a administração ferroviária, como em Great Western Trail, a questão da aleatoriedade vai aparecer em alguma medida durante o gameplay.

Por mais que nós neguemos, o caos e a aleatoriedade fazem parte da nossa realidade. Sendo assim, algum grau de imprevisibilidade é uma parte inerente a jogos de tabuleiro, sejam eles do estilo euro, sejam familiares ou amerigames.

A aleatoriedade pode gerar marés de sorte ou terríveis reveses, o que tende a despertar sentimentos ambíguos entre os participantes… como diz o ditado, a sorte de um é o azar de outros (e nos jogos de tabuleiro essa frase ecoa com mais força).

A sorte protege os ousados

Já que a sorte, ou em termos mais precisos a aleatoriedade, fazem parte dos jogos, por que tanta gente no nosso meio torce o nariz para a aleatoriedade?

Como dito no começo, elementos caóticos vão contra nossos milhões de anos de evolução e isso pode ser um primeiro indício para entendermos essa postura. Mas esse é só o começo.

Imagine a seguinte situação: você está lá, preparando-se para fazer uma grande partida de Terraforming Mars, mas daí as cartas que você compra são péssimas e isso pode se repetir geração após geração, fazendo com que todas as suas maravilhosas estratégias sejam prejudicadas e que você amargue uma péssima pontuação.

Uma partida dessas pode ser frustrante para o jogador, levando-o a sentir-se prejudicado pela aleatoriedade e, em casos extremos, até mesmo não querer jogar mais um determinado título por sentir que sua experiência e táticas não valem de nada diante do “alto grau de aleatoriedade”.

Essa postura é compreensível, mas pode levar você a abandonar excelentes jogos apenas por uma experiência negativa. Outra coisa que aprendi com O andar do bêbado foi que, apesar do caos e da aleatoriedade, nós temos algum controle sobre nosso destino. Essa ferramenta se chama persistência.

Quanto maior o número de tentativas, maior será a chance de podermos obter bons resultados em uma empreitada. E com mais prática adquirimos experiência, rapidez de raciocínio e criatividade para lidar com as marés de sorte que podem acontecer, o que nos prepara para conseguirmos resultados melhores.

No meu balanço final, posso dizer que a sorte na medida certa traz dinamismo e emoção para um jogo, contribuindo para uma experiência lúdica divertida e excitante.

Mas e você? Conte para nós: você gosta de elementos aleatórios nos jogos ou acha que eles atrapalham a experiência?

Márcio Botelho

Raça: Humano. Alinhamento: caótico e bom. Classes: Historiador 6, Crítico literário 4 e Nerd 10. Animado com as novidades sobre o Paper Dungeons.

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