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  • Por: Valter Bispo
  • Publicado em: 15 de abril de 2020

Jogos e a representatividade do povo brasileiro

Dê uma olhada na sua estante de jogos. Analisando a sua coleção, se você a dividisse por temas, quais seções ela teria?

Possivelmente, haveria a seção de jogos sobre civilizações, história, economia, guerras, fantasia, dentre outras. Mas, será que nela haveria uma seção de jogos que abordassem a cultura e a história brasileira?

O poder narrativo dos jogos

Jogos, mesmo quando são abstratos, podem contar histórias. Se jogássemos xadrez antes do século X, por exemplo, jamais moveríamos o bispo, mas sim o elefante, já que a substituição deste último pelo primeiro se deu por influência da igreja na Europa medieval.

As histórias incorporadas nos jogos refletem e influenciam o modo como enxergamos, ou como desejamos enxergar, a nossa sociedade e as demais sociedades ao nosso redor. Sendo assim, quais representações sobre o nosso povo têm sido apresentadas em nossos jogos? E, indo um pouco mais além, será que podemos utilizar os jogos como um instrumento de autoconhecimento e reflexão sobre a nossa própria cultura, história e sociedade?

A pluralidade brasileira

Se, por um lado, é fato que o mercado brasileiro de jogos é incipiente se comparado a mercados estabelecidos, tais como o alemão e o norte-americano, por outro, há aqui um grande diferencial: nossa identidade e a diversidade de temas que podem surgir a partir dela.

Somos muitos e somos diversos. Temos várias origens, gostos, estilos, etnias, tipos de cabelo e tons de pele. Somos homens e mulheres ricos de histórias e de conflitos, mas carentes de representatividade. Somos nossas festas, nossas tradições, nossas lutas e debates. Há muito o que conhecer sobre nós mesmos.

Acredito verdadeiramente que, junto a tantos jogos sobre a expansão marítima europeia, jogos de “fazendinha” e de civilizações romana, grega ou egípcia, poderíamos também estar jogando partidas super engajadoras sobre as nossas civilizações indígenas ou a nossa cultura afro-brasileira, por exemplo. E de cada tópico histórico-cultural em que conseguirmos pensar, podem surgir diversas temáticas e pontos de vista a serem retratados.

A imersão através das mecânicas

Para aqueles jogadores que atém-se muito mais às mecânicas do que aos temas, algo que represente o povo brasileiro também não seria um obstáculo, uma vez que, para estes, o que interessa mesmo é a experiência de jogar e o quão desafiadora ou divertida a jogabilidade possa ser. Se o que vale mesmo é “queimar os neurônios” e superar a estratégia do seu oponente, alocar um sambista, um cangaceiro ou uma baiana de acarajé não seria assim tão diferente de alocar um “trabalhador”, não é mesmo?

Além disso, uma vez que as mecânicas também servem para auxiliar na imersão do tema, trazer as nossas referências brasileiras para os jogos modernos pode ser um ótimo caminho a fim de desenvolvermos jogos inovadores. O desafio de representar assuntos ou pontos de vista que ainda não foram retratados, ou que o foram de modo superficial, pode gerar soluções inovadoras.

A fim de ilustrar o que quero dizer de modo prático, vou dar um exemplo de um jogo de rpg chamado Odú. Não tenho conhecimento algum sobre jogos de rpg, mas um elemento em específico no Odú me chamou bastante a atenção. Este é um rpg que aborda questões de cultura afro, mais especificamente sobre a cultura iorubá, que tem forte influência sobre a nossa cultura brasileira. Nele, além dos elementos narrativos que evocam o tema proposto, os jogadores rolam búzios ao invés de dados. Trata-se de um ótimo exemplo de como soluções mecânicas inovadoras, ou pelo menos criativas, podem surgir em jogos cujos temas saem do que é mais comum.

Conclusão

Acredito que os jogos têm o poder de nos ensinar muito. Com eles, aprendemos a pensar em estratégias, a respeitar a vez do próximo e a seguir regras. Aprendemos também que ora ganhamos, ora perdemos, e que sempre é possível tentar de novo e se superar.

Em contrapartida, acredito que ainda temos muito a aprender sobre a nossa cultura e o nosso povo. Tantos personagens de quem a história pouco falou. Tantos cenários e contextos que quase ninguém narrou. E é por isso que continuo perguntando: haveria espaço em nossas estantes para mais jogos que representassem o Brasil?

 

Valter Bispo

Designer gráfico carioca, formado em Comunicação Visual pela Puc-Rio em 2013. Minha paixão é contar histórias por meio de formas, cores, textos e imagens. Observador, curioso e inquieto, desde criança sempre questionei o porquê das coisas. Talvez por isso, acredito que o design tem a oportunidade de ser transformador e de dar voz e forma a questões sociais e culturais. Possuo grande interesse em projetos criativos, design de marca, identidade visual e design de jogos. Gosto de aprender coisas novas, escrevo, desenho, sei fazer umas notas no violino e geralmente não dispenso um karaokê :-)

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