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  • Por: Márcio Botelho
  • Publicado em: 22 de setembro de 2021

Jogos em que você é o detetive

Os detetives fazem parte do imaginário da cultura pop. Personagens como Batman, Thomas Magnum, Sam Spade e Rick Deckard são exemplos de investigadores que arregimentam uma legião de fãs nas mídias em que são representados.

Aqui na MeepleBR a gente adora uma boa história de detetive, assim como jogos com mecânica de dedução.

Grosso modo, podemos dizer que os jogos de dedução são aqueles que exigem que os participantes cheguem a conclusões baseadas em premissas e indícios previamente revelados.

Para revelar as ligações entre esse estilo de jogo e as narrativas policiais, preparamos um texto que vai te contar um pouco da trajetória desse gênero de histórias, suas origens, transformações e como podemos ver sua influência nos jogos de tabuleiro modernos.

Pegue sua lupa, chame seu fiel ajudante e comece a demonstrar seu talento detetivesco.

Os detetives e o paradigma indiciário

As narrativas investigativas são muito antigas e remontam a um elemento enraizado em nosso imaginário: a necessidade de reunirmos indícios para tentar descobrir o que aconteceu em um determinado lugar ou situação. O historiador italiano Carlo Ginzburg nomeou esse saber de paradigma indiciário e analisou como ele se encontra na base de diversas atividades humanas.

Um caçador, que mapeia os indícios deixados por um animal para descobrir o paradeiro de sua presa, o médico, que observa os sintomas que servem como pistas para se descobrir qual doença aflige o paciente, e é claro, o historiador, que se debruça sobre fontes históricas para tentar analisar o passado seriam todos profissionais que criam conhecimento através da busca de indícios para reconstruir um quadro maior.

É importante notar que esse paradigma indiciário é bastante poderoso, porém não basta apenas reunir uma série de pistas e esperar que o mistério se desvende magicamente diante de nossos olhos. Um bom investigador, seja ele um detetive, um médico ou historiador, precisa saber organizar essas pistas de maneira racional e aplicar sua erudição para poder chegar a uma solução pertinente.

Detetives analíticos

A antiguidade do saber indiciário pode nos dar a impressão de que histórias de detetive sempre existiram, porém isso está longe de ser verdade.

Para a crítica literária, as narrativas policiais surgiram no século XIX, sendo Os crimes da Rua Morgue, conto do escritor estadunidense Edgar Allan Poe publicado em 1841, reconhecido como a primeira história de detetive publicada. Esse fato torna o personagem criado por Poe, o brilhante Auguste Dupin, o primeiro detetive da literatura.

A narrativa policial criada por Poe se relaciona diretamente com o ambiente urbano da revolução industrial: a multidão e os bairros miseráveis aterrorizam a burguesia, sendo o detetive uma figura ordenadora que serve como campeão da lei e garantidor da segurança em um mundo pode ser organizado.

Auguste Dupin sintetiza muitas das características que nós esperamos encontrar em um detetive de narrativa investigativa: m erudito solitário, com hábitos excêntricos e que possui um estilo de vida aristocrático, sendo um homem que faz suas investigações pelo puro prazer de desvendar os mistérios e comprovar a superioridade de seu raciocínio.

Sherlock Holmes, Hercule Poirot, Miss Marple, Dom Isidro Parodi, Guilherme de Baskerville e Adrian Monk são todos de alguma forma membros da tradição dos detetives analíticos que foi fundada pelo personagem de Poe e que caíram no gosto de grande parte do público no século XX e XXI.

Esses detetives inspiraram jogos como a série Sherlock Holmes Consulting Detective e o clássico Detetive são bons exemplos de títulos que desafiam os participantes a usarem as “pequenas células cinzentas” para poder chegar a solução de um mistério.

Detetives noir

Os detetives analíticos são muito famosos, porém não monopolizam as narrativas de mistério. Alguns sujeitos mal-encarados, beberrões e cheios de honra passaram a oferecer seus serviços como detetives particulares em cidades cheias de crime, violência e corrupção.

Escritores como Dashiel Hammet, Raymond Chandler e Horace McCoy, trouxeram para as páginas do romance policial o dinheiro e toda angústia que a busca pela sobrevivência pode gerar em um universo urbano e decadente. Saem de cena os detetives aristocráticos e que agem de maneira analítica e assumem a linha de frente os detetives durões.

Esses homens de ação são os protagonistas dos romances policiais de estilo noir, também conhecido como policial negro ou policial hard boiled. Essas histórias foram muito populares nas revistas baratas da primeira metade do século XX, popularmente conhecidas como pulp fiction, e que abrigaram diversas obras de ficção científica e fantasia.

Phillip Marlowe, criado por Chandler em 1934, é a essência dessa tradição de detetives particulares que resolvem crimes para pagar as contas, se envolvem com as ameaçadoras femme fatale e que apesar da corrupção a sua volta conseguem manter um senso de honra e honestidade inquestionável. Em um mundo sombrio, eles são so cavaleiros em armaduras cobertas de lama e sangue.

Marlowe e outros detetives como ele também inspiraram jogos, como Detective: City of angels e NOIR: Killer vs. Inspector jogos que muitas vezes abordam muito mais a estética e a ambientação das histórias noir do que de fato a questão da resolução de crimes e a dedução lógica.

As histórias de detetive contemporâneas

Atualmente a narrativa policial continua via e presente no nosso cotidiano: livros, séries de TV, filmes e muitos jogos continuam a revisitar as histórias de detetive.

Entretanto é importante notar que os investigadores do século XXI não podem ser mais divididos de maneira simples entre analíticos e homens de ação. Nas últimas décadas, o que tem imperado é uma certa mistura entre tradições que tem dado uma nova cara ao romance policial.

A mistura pode se dar quando colocam-se em contato os dois tipos de tradição, analítica e de ação, em séries de TV como CSI, Criminal Minds, The mentalist e tantas outras que colocam lado a lado tramas investigativas com muita dedução e sequências de ação. Jogos como Chronicles of a crime, Detective: a modern crime board game e Pocket Detective tentam trazer essa experiência moderna de investigação para a mesa de jogo.

Também vemos as narrativas policiais saindo dos grandes centros urbanos e sendo ambientado em outros tempos e lugares: Mortum: Medieval Detective é um jogo francamente inspirado no livro O Nome da Rosa e que leva a história de mistério para a Idade Média europeia; já em Pulp Cthulhu o que temos diante de nós é uma clara fusão do horror cósmico de matriz lovecraftiana com as histórias detetivescas de ação.

Seja ficando próximo da tradição, seja com narrativas mais inovadoras, é possível deduzir que as histórias de detetives continuarão a fazer parte da cultura pop por mais um bom tempo.

Márcio Botelho

Raça: Humano. Alinhamento: caótico e bom. Classes: Historiador 6, Crítico literário 4 e Nerd 10. Sempre me animo com uma história de detetives, mas sou mais tapado que o Capitão Hastings.

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